sexta-feira, outubro 17, 2003

Rui Knopfli

PONTA DA ILHA

Nem o solo em que assenta o estuque
de nossos casebres foi poupado.
Olhai em redor e podeis vê-lo
convertido na sólida pedra de vossos bastiões,
nos opulentos muros da máquina de guerra
que, pacientemente, fostes erguendo
por nosso trabalho, suor e amargura.
Daqui mal lobrigamos o mar.
Sentimo-lo apenas no odor e na viração
que tremula ao topo das palmeiras.
Perfazem o horizonte raso deste microcosmos
em que a fome, apesar de tudo, sorri.
telhados de macute que se repetem
sempre iguais, ruelas de terra batida
entrelaçadas em labirinto rústico,
o peixe, sobre a teia de lacalaca,
curtindo ao sol de um longo meio dia,
as crianças que brincam seminuas
na poeira cinza, o cão esquelético
preguiçando à sombra e a galinha
tonta que cisca na distância.
À nossa volta sobram os templos e os deuses.


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