terça-feira, setembro 28, 2004

Grabato Dias

LAURENTINA XIPAMANENSIS
RONGA MAXILAR

Acontecem coisas indizíveis cada minuto.
Onde estava deus que não veio ver
o momento em que pariste o amanhecer
num riso enxuto?

E onde estava o dianho e onde estava S. João
O que é que a virgem estava a mirar?
Onde tinha o profeta a atenção
que não saiu antes a anunciar?

Raios parta a corte deste céu vão
anjos e tudo
Assim perderam a ocasião
de eternizar a emoção
do teu rir súbito e enxuto.


[102]

sábado, setembro 18, 2004

Grabato Dias

BAIXA LAURENTINA

Desde a esquina do djambu
‘té à do continental
trato os passeios por tu
e um parquímetro mais cómodo
é meu guru pessoal

Encostado e repimpão
olho a ladeira plana
subindo a partir do chão
de cada ponto opção
dos extremos da semana

Conto os passos de quem passa
passeando as dores passivas
passa uma velha uva passa
uma manga femeaça
um ceguinho sem mordaça
um vendedor de caraças
e olhodoins de ameaça
miram rebanhos de chivas.

Mil uvas de várias cores
vão irmãs do mesmo cacho.
Do branco ao tinto é um ror
de perfumes. Preto é cor
negro é raça dum diacho!

Avé, vida da ré pública!
cruza ao gosto do gatilho
numa cruz que não explica
onde é que a cruz simplifica
a trajectória do milho

tudo vai melhor amigo
com coca cola e quejandos
espetam a palha no umbigo
e iniciem o mim migo
ciclo de dor e castigo
pescadinha ao gosto antigo
memimigo memimigo
entoladinhos e bambos

vou aos saldos do jònór
comprar mais antipatia
e uma quinhebta de dor
no muro sotomaior
a ajudar a rebeldia

faço mira pela estrela
dum super branco mercedes
e enquadro a ramela
do cego de sentinela
a uma vitrine de sedas

que capulana bonita
traz a mitó amaral
veio, juro, da botica
mais chicqueira, mais bonita
mais xi... cara patrão! (chita
de pele humana e mortal)

raios pátriam esta tonta
partida dos deuses. Haja
um fim para esta ronda
de paisanos songa monga
com apetites de gaja

... do continental ao djambu
- meu privado festival –
trato os passeios por tu
e um parquímetro guru
é minha espinha dorsal...


[101]

sexta-feira, setembro 10, 2004

Rui Knoplfli

CERTIDÃO DE ÓBITO

Um tempo de lanças nuas
espera por nós, riso
cruel de maxilas em riste.
Entanto a vida desabrocha
tenra e tépida,
fruto e flor na ânsia secular
de quem tanto esperou em vão.
Para nós, todavia,
o tempo é de lanças impiedosas,
de lâminas em cuja brancura
se adivinha já um indício
do nosso sangue. Deste tempo
sobrou-nos a acerado das lanças:
este o quinhão ácido que nos coube
e que mastigamos resignadamente.

Entanto, num levedar de ternura,
frágil e muito bela, a vida desponta
na negra polpa de outros dedos.
Para nós, o prémio do aço,
a estrela da pólvora, a comenda do fogo.
Para nós a consolação do sorriso triste
e da amargura sabida. Falamo-nos
e nas palavras mais comuns
há rituais de depedida. Falamos
e as palavras que dizemos
dizem adeus.


[100]

quinta-feira, setembro 02, 2004

Albino Magaia

DESCOLONIZÁMOS O LAND-ROVER

Já não é carro cobrador de impostos
Nós descolonizámo-lo.
Já não é terror quando entra na povoação
Já não é Land-Rover do induna e do sipaio.
É velho e conhece todas as picadas que pisa.
É experiente este carro britânico
Seguro aliado do chicote explorador.
Mas nós descolonizámo-lo.
No matope e no areal
Sua tracção às quatro rodas
Garante chegada às machambas mais distantes
Às cooperativas dos camponeses.
Entra na aldeia e no centro piloto
Ruge militante nas mãos seguras do condutor
Obedece fiel a todas as manobras
Mesmo incompleto por falta de peças.
- Descolonizámos o Land-Rover
Com nossos produtos
Comprámos combustível que consome
Com nossa inteligência
Consertámos avarias que surgem
Com nossa luta
Transformámos em amigo este inimigo.
Nós, descolonizadores
Libertámos o Land-Rover
Porque também ficou independente, afinal
Transformaram-se os objectivos que servia
E hoje é militante mecânico
Um desviado reeducado
Uma prostituta reconvertida em nossa companheira.
Descolonizámo-la e com ela casámos
E não haverá divórcio.
De Tete a Cabo Delgado
Do Niassa a Gaza
Da sede provincial ao círculo
Este jeep saúda quando passa
O caterpillar, seu irmão
Outro descolonizado fazedor de estradas
E cruza-se com o Berliet atarefado
Ex-pisador de minas
Eles aprenderam com a G-3
Menina vanguardista na mudança de rumo
A primeira a saber e a gostar
A diferença antagónica
Entre a carícia libertadora das nossas mãos
e o aperto sufocante e opressor do inimigo que servia.
As mãos dos operários que o fabricam
são iguais às mãos dos operários da nossa terra.
Essas mãos inglesas que o criam
Um dia saberão que ajudaram a fazer a revolução
e vão levantar o punho fechado da solidariedade.
Ruge este militante nas picadas da Zambézia
Galga as difíceis estradas de Sofala
Passa pelos pomares de Manica
Pelo milho de Gaza
Pelas palmeiras de Inhambane
Na cidade do Maputo descansa.
Transporta pelo país os olhos dos estrangeiros amigos
que querem conhecer de perto a nossa Revolução
- Descolonizámos uma arma do inimigo
Descolonizámos o Land-Rover!
Aquelas quatro rodas de um motor potente
Aquela cabine dos mecanismos de comando
Aquelas linhas da carroçaria irmanadas ao medo
Já não afugentam o povo:
Homens, Mulheres e Crianças do campo
fazendo sinal ao condutor, pedem boleia.
Nós descolonizámos o Land-Rover
Por isso o povo já não foge.


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