domingo, setembro 30, 2007

Armando Artur

URGÊNCIA

Eu sou das noites
mais negras…
não sei dizer «sim»
quando quero dizer «não».
porque é longa, deveras,
esta contenda
que é necessário vencer.

eu sou das galerias
mais profundas…
não sei dizer «amanhã»
quando quero dizer «hoje».
porque sou todo urgência
urgência de chegar
urgência de partir.

eu sou dos rios
mais longínquos…
não sei percorrer
o inverso dos caminhos
porque o tempo é-me escasso
nesta caminhada sem apeadeiros.


[282]

quinta-feira, setembro 27, 2007

Júlio Carrilho

DE REPENTE A TERRA

De repente a terra. A descoberta das cores que a povoam. Do preto ao ocre. Cada tom a revelar os seus segredos. A passar mensagens. Incipientemente a acordar-me para as dores da luz penetrando forte pela consciência. Afinal só eram sombras o que eu percebia na inocência. Afinal a vida estava lá fora a contorcer-se. Mosaico de futuro a construir-se em cada um dos grãos de areia. A lângua de lama seca a repartir-se ao sol. É um expediente que quebra cada brilho para me arrumar o pensamento.


[281]

quinta-feira, setembro 13, 2007

José Craveirinha

AUTOBIOGRAFIA

Nasci a primeira vez em 28 de Maio de 1922. Isto num domingo. Chamaram-me Sontinho, diminutivo de Sonto. Isto por parte da minha mãe, claro. Por parte do meu pai, fiquei José. Aonde? Na Av. Do Zihlahla, entre o Alto Maé e como quem vai para o Xipamanine. Bairros de quem? Bairros de pobres.

Nasci a segunda vez quando me fizeram descobrir que era mulato.

A seguir, fui nascendo à medida das circunstâncias impostas pelos outros. Quando o meu pai foi de vez, tive outro pai: seu irmão.

E a partir de cada nascimento, eu tinha a felicidade de ver um problema a menos e um dilema a mais. Por isso, muito cedo, a terrra natal em termos de Pátria e de opção. Quando a minha mãe foi de vez, outra mãe: Moçambique.

A opção por causa do meu pai branco e da minha mãe preta.

Nasci ainda outra vez no jornal "O Brado Africano". No mesmo em que também nasceram Rui de Noronha e Noémia de Sousa.

Muito desporto marcou-me o corpo e o espírito. Esforço, competição, vitória e derrota, sacrifício até à exaustão. Temperado por tudo isso.

Talvez por causa do meu pai, mais agnóstico do que ateu. Talvez por causa do meu pai, encontrando no Amor a sublimação de tudo. Mesmo da Pátria. Ou antes: principalmente da Pátria. Por parte de minha mãe, só resignação.

Uma luta incessante comigo próprio. Autodidata.

Minha grande aventura: ser pai. Depois, eu casado. Mas casado quando quis. E como quis.

Escrever poemas, o meu refúgio, o meu País também. Uma necessidade angustiosa e urgente de ser cidadão desse País, muitas vezes, altas horas a noite.


[280]

quinta-feira, setembro 06, 2007

Alberto de Lacerda

DIR-SE-IA DE REPENTE

Dir-se-ia de repente
O horizonte é mais vasto e generoso

O coração repousa
Um pouco

Distende as asas
Mas sem levantar voo


[279]