JESUSALÉM (excerto)
Minha vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silêncio. E todo o silêncio é música em estado de gravidez.
Quando me viam, parado e recatado,
no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhando,
de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a
quietude. Eu era um afinador de silêncios.
- Venha, meu filho, venha ajudar-me a ficar calado.
Ao fim do dia, o velho se recostava
na cadeira da varanda. E era assim todas as noites: me sentava a seus
pés, olhando as estrelas no alto do escuro. Meu pai fechava os olhos, a
cabeça meneando para cá e para lá, como se um compasso guiasse aquele
sossego. Depois, ele inspirava fundo e dizia:
- Este é o silêncio mais bonito que escutei até hoje. Lhe agradeço, Mwanito.
Ficar devidamente calado requer
anos de prática. Em mim, era um dom natural, herança de algum
antepassado. Talvez fosse legado de minha mãe, Dona Dordalma, quem podia
ter a certeza? De tão calada, ela deixara de existir e nem se notara
que já não vivia entre nós, os vigentes viventes.
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