sábado, junho 30, 2007

Nuno Bermudes

NA DOR DA TUA MORTE

Se as lágrimas se desprendessem
dos olhos dos poetas
e rosas dos seus dedos
e soluços dos seus lábios,
quem senão nós
derramaria lágrimas
e desfolharia rosas,
a quem senão a nós
rebentaria o coração,
na dor da tua morte
súbita e exacta?

Mas o Poeta, Reinaldo,
o Poeta não chora…
E cada um de nós
sobre o teu corpo
deixará cair
as flores de sangue e de amargura
que são os nossos versos
nesta hora.


[271]

segunda-feira, junho 25, 2007

Nelson Saúte

MAPUTO

Preciso dizer-te com carácter de urgência.
Preciso revelar-te na palavra e no silêncio.
Preciso sublimar a minha solidão na sombra
das palavras e dos gestos acordando
na imensidão dos dias vozes duendes
como se me albergasses na infância
Preciso amar-te com urgência. Amar-te
como palavras. Sussurrar-te minhas ânsias.
Adormecer minha voz no teu ouvido.
Perscrutar o som do silêncio. Dizer-te
com urgência inadiável que te amo.
Preciso amar-te ó meu amor amado.
Preciso amar-te como quem ama
pela última vez. Amar-te como se fosse
um voo agónico. Amar-te na margem
da ausência tua. Amar-te nas canções
que oiço pela manhã. Nas vozes espantadas
das mulheres no Xipamanine. Preciso
de te amar neste trajecto dorido por Maputo
com estas vozes que atravessam a noite.
Preciso amar-te com urgência. Amar-te agora e sempre.
Preciso de te amar somente.
Dizer-te: amo-te, minha musa, meu amor amado.
Preciso de te amar. Amar. Amar-te simplesmente.


[270]

sexta-feira, junho 22, 2007

Custódio Vasco Duma

O QUE PERDI

Perdi a vida
Ganhei a liberdade
Lutei com vontade
E guardei a farda

Não fugi à guarda
Nem vendi a fidelidade
Pra mim nunca era tarde
Merecia sim a vida

Mas foi isso que perdi
Pois injusto é o destino
E ingrata a morte

Mas o fim não ofendi
Confiei na dor e no inferno
Pois a liberdade vem da morte


[269]


Bibliografia essencial: Custódio Vasco Duma, Verdadeira Confissão, Ndjira 2004

sábado, junho 16, 2007

Nelson Saúte

MARRABENTA PARA FANNY MPFUMO

ao Zé Flávio Teixeira

Fanny Mpfumo cantava I love you so
eu era menino e nem sabia o que era tindjombo:
- ó a va sati valomo! –
mas já dizia hodi nos quintais contíguos
do meu Bairro Indígena.
Unga tlhupheque nkata que ouvia na rádio
por sobre o móvel da sala
na casa da minha avó
nomeava todas as mulheres que derrubavam
à passagem os meus inocentes e desprevenidos anos
ali na varanda do Muchina.
O king ya marrabenta era suposto
conviver conosco todos os dias.
Também ouvíamos Elisa gomara saia
nos tempos em que os Djambo 70 conjuravam
e o destino dos meus pais não era só
os míticos bailes da cidade de caniço.
O mufana que eu era também gostava
maningue do Gonzana e de todo o conjunto João Domingos
Massoriana no palato daqueles tempos.
Algumas vezes ouvia o João Wate
e outros que a memória não acautelou.
O Alexandre Langa foi mais tarde
que me empolgou – Rosa Maria.
Tínhamos atravessado
para lá do asfalto e alcandorados estávamos
na Polana onde inaugurávamos a nossa condição
de habitantes de fogos suspensos,
alcançados mais tarde em obscuras escadas
disputadas por bidões de água
acartados do jardim Tunduro.
Minha avó falava naqueles velhos anos
do Artur Garrido, conterrâneo lá de Ressano Garcia.
Mais tarde vi Fanny Mpfumo no Scala
- não muitos anos depois no Estrela Vermelha –
marrabentando uma guitarra eléctrica
no frémito do seu amor por Georgina waka Nwamba.


[268]

domingo, junho 10, 2007

Júlio Carrilho

ESTRANHA FORMA

Estranha forma de engolir subúrbios
de dar sobranceria à urbe nobre
não só com cal não só com traça forte
para afastar o olhar do bairro pobre

As gentes simples que fazem lembranças
que as fundem finas as tecem em prata
pintaram seus sorrisos de brancura
cercando-se de beijos de mulata

Se ateiam lares no fundo rochoso
regados de suor antepassado
na superfície incerta da pedreira
impera o tufo pelo maticado

É este o Sul que eu abro nos meus livros
nas ilhas ou nas terras adornadas
que teimam em subir com o mar desperto
e garrir-se de cor e gargalhadas


[267]

sábado, junho 02, 2007

Rui Knopfli

HACKENSACK

Você compreende Thelonious Monk?
Não. Você não o entende.
Até lhe desagrada e o inquieta
aquela forma esquisita
de ter o passo oblíquo e trôpego
e de deixar tombar a nota
não quando você a espera,
mas um momento antes ou depois,
sempre depois se a espera antes,
sempre antes se a espera depois.
Não finja. Eu sei que o incomoda
e o irrita o modo impertinente
com que faz rilhar o dente
ao piano, com que pulveriza
as semibreves. De Dinah
a Bolivar blues não se vai
nas cordas doces de um violino;
tem de se ir pisando duro
mas com cautela e precaução
doseando silêncio e som
opondo ao vazio mensuração.


[266]