sexta-feira, outubro 20, 2017

Rui Knopfli

JUSTERINI & BROOKS

Este punhal de veludo,
esta fria estalactite,
esta cicuta tão lenta
e que tão profundamente
fere. Esta lâmina

líquida, doirada,
este filtro parecido ao sol,
este rarefeito odor simultâneo
ao fumo, à água, à pedra.
Este adormecer antes do sono

só preâmbulo da vigília,
que é o gélido acordar
da imaginação para
as fronteiras dormentes
do horizonte protelado.

Este trajecto subterrâneo e húmido
pelos túneis do infortúnio,
que é o adiar moroso
da morte, no prolongar
silencioso da vida,

lágrimas da noite tornadas
pranto da madrugada,
rumor débil e distante
brandindo já no sangue
o endurecer das artérias.


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quinta-feira, outubro 19, 2017

Rui Knopfli

FIM DE TARDE NO CAFÉ

Na tarde cor de azebre
falávamos de coisas amargas.
Ali, na mesa triste do café
com moscas adejando
sobre restos de açúcar
e um copo de água
morna de esquecida,
falávamos da amargura das coisas,
entre rostos graníticos e enxovalhados,
entre estranhos e estranhos
de estranhos e os que,
nada tendo de estranhos,
cuidam de cuidar
o que se passa entre estranhos.
Na tarde comprida e silenciosa
tecíamos gestos inúteis
e palavras entre dentes,
mergulhados na paisagem geométrica
do café. Do café tão cheio de gente
e fumo e moscas e caras tristes
e afinal tão profundamente,
tão desesperadamente vazio.


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