sexta-feira, abril 22, 2005

Pedro Muiambo

A ENFERMEIRA DA BATA NEGRA (excerto/2)

Havia quem a chamasse uma mulher sem idade. E quem a considerasse uma convergência de graças infinitas. Ou uma alavanca de desvarios.
Os homens escondiam-se com frequência das suas esposas, faziam-se aos lugares mais recônditos das suas habitações, abriam as braguilhas, introduziam as mãos e, voilá, entregavam-se à arte humana mais remota – a de ordenhar o próprio touro – deixando escapar mudas interjeições.
Mas não eram apenas os homens que suspiravam por ela: também as mulheres.
Viam-na, aquela borboleta, esvoaçando entre as bancas do mercado, e todas elas estacavam o passo, e antes mesmo que a auto-estima lhes impedisse, debruçavam-se aos seus pés, minimizavam-se, por assim dizer, em submissa rendição.
E quando, de noite, à cama se faziam, e eventualmente lá não encontravam os esposos, voltavam a pensar nela, obsessivamente, na aura que a iluminava e naqueles seios agressivos, o andar arrebatador, enfim…
“Pensam no infinito, estas mulheres”, adivinhava sô Ribeiro, o bom do tuga, que passava a vida a falar dos livros que dizia ter lido, ou do bom azeite de oliveira que dizia ter crescido a saborear lá em Trás-os-Montes, onde nascera. “E macacos me mordam se eu também não desejo o infinito”, rematava, cuidando no entanto que a sua consorte não o ouvisse.
E o que dizer o Ubaldo Delgado, o cooperante cubano que leccionava matemática no centro de formação de professores, em Chibututuíne, a sete quilómetros da vila. Um tipo que se derramava em versos, tão cedo a avistava ou dela ouvia falar, sem se importar com os possíveis escândalos sociais que a sua atitude poderia provocar, nem em traduzir para os seus confrades moçambicanos os seus frémitos românticos.
(…)

O nome dela era Maceda Magaço.
Era mãe de Isayana.

Enfim, ninguém ficava alheio à aura esplendorosa que dimanava daquela mulher. No seu confronto, ou se era do leste ou se era do ocidente. Não-alinhado era uma possibilidade inexistente.
O próprio governador da província chegara a afirmar em pleno comício, exibindo-a: “Ela é a máxima demonstração de que a revolução socialista pode alcançar o que se supões estar apenas na alçada dos deuses: o milagre da beleza. Sendo assim, precisamos de deus para quê?”
Fortes aplausos.


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