quinta-feira, agosto 12, 2004

Heliodoro Baptista

À VOLTA DAS ORIGENS

Ao Rui Knopfli e ao Eugénio de Andrade

Sim, de facto, «uma só e várias línguas
eram faladas e a isso,
por estranho que pareça, também chamávamos pátria».

Outros vieram e estão
na curva ambulatória do terreno,
entrecortando a escrita ao sol
com a que, na bruma, lascivo lugar
dos malditos de esgares cínicos
mas persuasivos,
estrangula, subverte também
a repulsa.

Alguns reencarnam, voltam a nascer
de uma emoção que, anos atrás,
os condicionou, e isso tem sido notícia,
curiosidade incorporada
na astúcia discreta dos que triunfam
pelos propósitos trazidos
há um quarto de século.

Palmeiras, casuarinas, eucaliptos,
micaias, planuras, mangueiras, enfim,
a ainda inacabada totalidade do país amado,
tudo existe, não é mitológica passagem
de forças cujo núcleo, por estranho, também,
que pareça, é uma ordem desordenada,
uma certeza de mil incertezas,
mas isenta já de prodígios,
confusa e humana.

Nós outros, como vós, os que virão,
baixos-relevos das mais remotas
e tranquilas paisagens onde o tempo urge
propostas originais,
desencadearemos talvez a infidelidade
a outros mitos que a escrita, impressiva,
esconjura nos significantes.
Suportemos, como compensação, os impulsos dos néscios.


[95]

1 comentário:

  1. Esta da "pátria" ainda me há-de provocar um ensaio... _ uma que tem a Língua Portuguesa como ferramenta e Moçambique como Mátria.

    ResponderEliminar