sábado, maio 20, 2006

João Paulo Borges Coelho

MERIDIÃO / BALADA DA XEFINA (excerto)

Eu, Mustafa Issufo, vejo bem desde pequeno. Vejo tudo, a longas distâncias. Se assim não fosse não seria capaz de vos dar conta do que se segue. Daqui, deste buraco enterrado no chão onde me encontro, vejo a cidade quase inteira, ou pelo menos aquilo que ela tem de apresentável. Na ponta esquerda e mais distante, atrás do cabeço do Caracol – de onde os casarões espreitam o Clube Naval lá em baixo, e atrás dele a baía – imaginam-se os guindastes do porto que antes rangiam submissos sob pesados fardos, depois mais ociosos, dedos sem anéis espetados no céu. Não se vêem daqui do meu buraco, como disse, mas imaginam-se, porque na condição que é a nossa vos garanto que se solta a imaginação. Foi desta floresta metálica, rente a uma água de breu quieta e oleosa, que partimos no pior dia que a minha vida teve.


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