sexta-feira, junho 11, 2004

Fonseca Amaral

KARAMCHAND

O Guru, de olhos tão antigos,
tem seu miúdo comércio
numa loja de penumbras
Sorri
e as mãos, magros insectos amestrados,
tudo apertam num retrós de perfeição.

Se a um curto gesto
a um milimétrico acto
impõe sacralidade,
os lábios escravos, esses,
salmodiam o cântico de compra-e-venda:
(Buísa mali! Teka basela! Buísa! Teka!)
- rio múrmuro que sua barca
- tem, solarmente, de percorrer.

Escurece. Fecha a porta, Mestre.
Enquista-te, aranha, no canto mais obscuro.
Não te torças,
sicómoro batido de vento.
Não te espreguices,
felino de olhos acendidos.
Mas tu, Mestre, lança essa teia,
saliva irisada de palavras,
agita os braços, distende os músculos,
à espera de bala ou pedra ou eco...

Chega-se a hora de, por teu discorrer,
se escancararem, para alguns de nós,
imprevistos corredores, arcadas e portões.
Karamchand tornam-se, a partir daí,
todas as coisas tão imponderáveis,
germinando sagradas, abissais,
sob o resfolegar asmático do petromax!

O mundo maya é ilusão,
insistes petrificado, madrugada adentro,
rasgando-te a boca o cinzel verbal do Lakavatara.
Mas Karamchand, Mestre, desperta,
já te deu o sol no rosto.

Passa a mão e uma púcara de água
por esses olhos tão antigos,
volta aos panos, agulhas e linhas
- tua habitação diurna -
por detrás do sórdido balcão.

Será mesmo de sombras o mundo maya,
ó meu guru iludido,
sombrio baneane de raízes ao vento,
lingam murcho, frio,
já sem amoroso porto a demandar?


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