domingo, julho 20, 2003

Rui Knopfli

NA MORTE DE REINALDO FERREIRA

Recusando a simetria académica
dum frio céu azul,
desce por si à desarmonia incandescente
dos infernos,
mergulhando até às ilhargas
no lodo carnal das paixões
que arrastou em vida.
Desce puro,
desce sereno,
na electricidade estática do olhar,
no amarelo dos cabelos em desalinho,
- uma enorme flor lilás
abrindo-lhe o fundo, magro peito.
Desce,
o menestrel de tontas melodias,
aos panoramas de uma infância
adulta.
O que na vida repartiu seu poema
por alados guardanapos de papel,
o criador de sonhos logo perdidos
na berma dos caminhos,
o mago que pressentia o segredo
da beleza perene,
recusa
a estática arquitectura dos parténones celestes
e desce,
simples,
sangrando,
sereno,
à angústia vulcânica dos infernos torturados,
onde
se mira como num espelho.


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