João Paulo Borges Coelho
CRÓNICA DA RUA 513.2 (excerto/2)
Tomar banho era outro problema. Faziam-no no quintal, entre quatro paliçadas de caniço com metro e pouco de altura, tirando água do balde e lançando-a sobre o corpo. No fundo, Josefate habituara-se já à situação, agradava-lhe tomar banho apreciando ao mesmo tempo o movimento do bairro, as mulheres a caminho do mercado, as crianças arrastando-se para a escola ainda ensonadas. Mas para Antonieta o banho era coisa mais complicada. Tinha de agachar-se para que os seus volumes não fossem vistos do exterior, e mesmo o facto de não o serem não impedia que fossem adivinhados. A situação não era portanto a melhor para a dignidade dos Mbeves. As suas cabeças emergiam molhadas atrás da paliçada de caniço, denunciando gestos que são sempre íntimos qualquer que seja a cultura, a circunstância e a condição. ‘Lá está um dos Mbeves tomando banho! Ah, gente sem descrição!’, diziam os transeuntes. Depois, sair do banho era outra preocupação. O chão encharcava-se de águas estagnadas, sobretudo se chovia, águas que levavam uma eternidade a escoar-se para as profundezas da terra, nunca secando por completo, ficando sempre uma lama imunda e pestilenta. Um caminho de pedras soltas ligava a paliçada à casa, e lá iam os Mbeves saltitando de pedra em pedra para não sujar os pés, limpos e lavados de fresco, a escorrer água, mas parecendo assaltantes seminus realizando os seus furtivos gestos.
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domingo, outubro 29, 2006
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