terça-feira, março 23, 2004

Rui Knopfli

DAWN

Agónica noite estremece
e despedaça-se
lá fora em chuva
nas vidraças.
Das sombras, das solidões
dos recantos recônditos
da noite e da chuva
saem homens.
Pela crosta da terra passa
um frémito de arrepio.
Chove.
Chove em África.
É noite
É noite em África.
Mão desmedida ergue-se
no breu,
corpo da terra que as águas
fecundam, impregnam.
Silêncios, hesitações,
sono de séculos, jugos,
racham em surdina.
Jogamos bridge na tepidez
do living,
reclinamo-nos na morna
penumbra erótica
dos cinemas,
ou dormimos em calma
digestão.
Para lá
da noite angustiada
monótono acalanto ergue
a voz.
No inescrutável, nas sombras,
nos recantos recônditos de agónica noite
África desperta...


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