Eduardo White
MANUAL DAS MÃOS (excerto)
Eu gostava de poder fugir a esta realidade tão fulminante. Dizem-me os amigos para enfrentar o problema, para agarrar o touro pelos cornos. Aliás, dizem-no sempre quando isto não é o que se passa com eles.
Não tenho dinheiro. Gastei-o a exilar-me em mim mesmo. No álcool, algumas vezes. A pagar rodadas dele aos amigos para não ficar sozinho. Tenho um pavor à solidão. É-me corrosiva e não sei viver com ela.
Penso, como consequência, em partir. Para onde? Não sei, se tivesse dinheiro era para uma ilha. A minha ilha. Moçambique. É bela. Antiga. Magistral.
Vejo-a:
Um pássaro revolve as asas por dentro do verde esbatido do mar. Traça a casa líquida que às estrelas, certamente, o seu piar vai dar. A história é-lhe longe, são formas entrecortadas, sobre a espuma amarelecida, dos navios cargueiros que beijam lentos o horizonte e movem silenciosos outras cargas.
A ilha suspende-se entre o vento e um negro reluzente cruza a praia com os olhos lavrando as areias. Não sei se reza, mas que pensa é mais que evidente. Testemunham os brancos cabelos e as mazelas no caqui dos desbotados calções. Cheira a marisco a brisa que inalam as narinas dentro desta paisagem e a cânfora, alguma, das memórias que ela desenha.
As redes que sobre o chão encontro estendidas, são cartas oceânicas que escreve o fundo do mar. Do texto salta a prata dos peixes, o verde amaciado das algas e uma estrela imóvel que explode, por dentro, a terra toda a girar. Claro que a areia as grava. Nessa forma de escrita mais milenar que a geringonça mágica de Gutemberg. Porque Deus descansa aqui, ao cair da noite. Silenciosamente medita por entre as lágrimas das tartarugas que junto a ele vêm desovar, ou de um negro macúa, estirado sobre o desgosto, a chorar um amor que, por teimosia, não quer morrer.
Vão longe, a navegar, os versos da miséria que do Luís de Camões a história quis esconder. Os ducados que nunca teve, nem para voltar nem para morrer, servem outros reinados e engordam a mesa dos que ainda julgam que poeta bom só miserável pode escrever. Lêem e estudam o que não dizem os poemas, sábios doutores esses universos etários, e nem com verdade podem entender, entretanto, o que eles explodem e doem e fazem crescer no coração esquecido dos seus autores.
Por isso a Ilha é calma. Tonta de tanta quietude e, talvez, será o que querem dizer as faces delicadas das suas negras, as mãos talhadas dos seus ourives.
Assim, o meu velho Camões, macúa zarolho só por ter visto sempre demais, terá, talvez, ali, amado o seu negro, seus humanos adamastores e com eles provado essa fatalidade incontornável de ser poeta sem ilha na ilha extensa dos que nela, até hoje, não o sabem ler.
Mas era para lá que eu queria partir.
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terça-feira, outubro 05, 2004
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Mas era para lá que eu queria partir!!!
ResponderEliminarObrigada por me teres dado a conhecer este texto! _ IO
Obrigado IO
ResponderEliminarE esta frase: «Porque Deus descansa aqui, ao cair da noite. Silenciosamente medita por entre as lágrimas das tartarugas que junto a ele vêm desovar, ou de um negro macúa, estirado sobre o desgosto, a chorar um amor que, por teimosia, não quer morrer.»
Não é tão definidora do que é único no fim da tarde na Ilha?
A terra que nos viu nascer não quer separar. A terra que nos viu nasccr quer acolher quem da sua terra viu partir.
ResponderEliminarUm abraço e linquei o blog
Rogério
Rogério: obrigado pela visita e pelo comentário. E qual é o endereço do seu blog para poder retribuir a visita?
ResponderEliminarmiguel
Doropene...
ResponderEliminarSinto que esperas por mim
tenho-te no ultimo e secreto canto do âmago
sabes que voltarei
sentes que estou embelezado de regresso
talvez te tenha confidênciado
o momento exâto
mas reclamas
discordas desta intemporal
ausência.
Sei contudo
que me compreendes
que estarás presente no momento
em que o regresso será regresso
e,
tu linda
de gala embelezada
receber-me-as ao som de promessas
promessas de imposição definitiva
promessas de inausência constante
promessas amor eterno entre nós
Oh...
quanta saudade de te encontrar
falar-te descontraidamente
sentado
olhando o horinzonte logínquo
ao pôr do sol teu
só teu
que da varanda tua
permites observar
Espero ansiosamente
o nosso reencontro definitivo
aguardo
aniceto manhique
Oi!
ResponderEliminarA-d-o-r-o White... textos, poemas... perco-me em suas palavras, "viajo" com ele pelos ventos do Oriente...
adorei o blog também.
Abraço!
bia
espectaculo....o melhor poeta contemporaneo.
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