domingo, novembro 30, 2008

Mutimati Barnabé João

VENCEREMOS

A última coisa que vi foi nada.
Logo a seguir às labaredas foi nada o que vi então
Com um grande silêncio espantíssimo por cima de nada
E um cheiro queimado de carne
Que vinha de dentro do peito para a boca.

Agora estou só nos ouvidos e na língua vagarosa
Eu que só pensava dentro dos olhos penso mal na língua
E o mundo inteiro é muito pouco agora
E tudo quanto está chegando aos meus ouvidos é pouco.

Não poderei fazer mais a mesma tarefa
Mas a Luta continua pois é independente de um homem só
E haverá outra tarefa para dois ouvidos e uma língua.
Venceremos.


[317]

segunda-feira, novembro 10, 2008

Eduardo White

HÁ VEZES EM QUE NEM É A MORTE QUE SE TEME

Há vezes em que nem é a morte que se teme,
o seu sossego de cinza,
a sua solidão escura,
mas como se morre.

Quando morrer
quero fazê-lo sem rumor algum,
sem ninguém que me chore
ou a quem doa.

E queria a morte uma ave,
nocturna ave
sigilosamente partindo
para outro tempo.

Para morrer, fá-lo-ia
em total silêncio,
severo
e lúcido.


[316]

quinta-feira, outubro 09, 2008

Guita Jr.

NO CONFRADE RANGER DE DENTES

vagueio pelas predilecções mais próximas
ocorre-me neptuno e não transito
para além do simples significante
assim sendo mais próximo estou de saturno
mesmo sem acesso a todos os seus deuses
como os meninos do Gilé

antes de se abrir o sol pela manhã
mergulho incólume na brisa matutina
e torna-se-me dever saborear a comédia da morte
e nas garras negras de cada flagrante devo
desmentir a dor por turnos e constante
a todos os meninos do Gilé

o conformismo ou a dignidade violentada
anulam as provas que seriam para depois
e sem tumulto três de cada um de nós
vão em serapilheira desnudos a enterrar
sem nada que se ore nem canções nativas
pelos meninos do Gilé

agora sem credo zomola patarão
extingue-me também esta pele e ossos
a mente não permite que me dissolva no espaço
o tempo apagará o remorso teu c’uma salva
de palmas e kanimambos muitos – não
dos também teus anónimos meninos do Gilé


[315]

quarta-feira, agosto 20, 2008

Eduardo White

A PALAVRA


A palavra renova-se no poema.
Ganha cor,
ganha corpo,
ganha mensagem.

A palavra no poema não é estática,
pois, inteira e nua se assume
no perfeito,
no perpétuo movimento
da incógnita que a adoça.

A palavra madura é espectáculo.
Canta.
Vive.
E respira. Para tudo isso
basta
uma mão inteligente que a trabalhe,
lhe dê a dimensão do necessário
e do sentido
e lhe amaine sobre o dorso
o animal que nela dorme destemido.

A palavra é ave
migratória,
é cabo de enxada,
é fuzil, é torno de operário,
a palavra é ferida que sangra,
é navalha que mata,
é sonho que se dissipa,
visão de vidente.

A palavra é assim tantas vezes
dia claro
sinal de paisagem
e por isso é que à palavra se dá,
inteiramente,
um bom poeta
com os seus sonhos,
com os seus fantasmas,
com os seus medos
e as suas coragens,
porque é na palavra que muitas vezes está,
perdido ou escondido,
o outro homem que no poeta reside.


[314]

terça-feira, julho 29, 2008

Guita Jr.

MÃOS SOBRE O FARRAPO

mas vamos reconstruindo o país aos impostos
uns menos puros outros mais ilícitos
outros antes porém aos encontrões com mulalas
a verterem-nos da carne o hematozoário
mais emergente que o donativo mais escasso

fazemos sauna nós mesmos sem idades
em busca da purpúrea metamorfose legal
mas é verdade que há ainda motobombas
comprometidas com o dever de necessitar
é verdade
e discursam-se mais dogmas e mitos
as alturas e a vontade submissa

agora estou a pedir cinquenta
para perpetuar o farrapo e a esmola
e para evitar falar de bares e copos
vai uma coroa de flores para os heróis
sempre nos satisfaz mais uma gorgeta
para desarraigar as vontades abdominais


[313]

segunda-feira, julho 07, 2008

Jall Sinth Hussein

BASMA (76)

Coração no bolso
para o que der e vier
põe-me a mão no bolso


[312]

quinta-feira, junho 26, 2008

Rui Knopfli

CORPO PRESENTE

Mais me pesa a terra sobre os olhos
e no lugar do coração. Não era
enfim tão rápido quanto crera.
Não fora esse indício e juraria a ausência
total de sensações. Pesa-me, porém
sobre a cegueira dos olhos e o vago
atroz do coração. Atroz não
porque me doa ou amargure,
mas porque esse ruído débil,
sempre inaudível, companheiro
da primeira à derradeira hora,
súbito cessou,
substituindo-o o horror de insuspeitado
e impenetrável silêncio. Depressa
me habituarei. A insensibilidade
da mão esquerda, sê-lo-á? Ou
será da terra? A terra…
O corpo soma-se-me em terra.
De tosca e anómala não chega
a ser obscena na terra a nudez
final. Aqui neste lugar
não há lembranças da vida. Mais
depressa ainda a vida se esquecerá
de mim e deste escuro mas promissor
tirocínio a uma futura arqueologia.


[311]

terça-feira, maio 27, 2008

O primeiro poema apareceu há precisamente cinco anos.
Desde então, compareceram à sombra dos palmares:

(Canção Popular) - De Longe Esta Ilha Parece Pequena
(Canção Popular) - Eis o Que É Belo Neste Mundo
Alberto de Lacerda - Regresso
Alberto de Lacerda - L'Isle Joyeuse
Alberto de Lacerda - Ponta da Ilha
Alberto de Lacerda - A Minha Ilha
Alberto de Lacerda - Jóias
Alberto de Lacerda - Lourenço Marques Revisited
Alberto de Lacerda - Melancia
Alberto de Lacerda - Mandimba Metónia Vila Cabral
Alberto de Lacerda - A Mouzinho de Albuquerque
Alberto de Lacerda - Pureza
Alberto de Lacerda - Atributos Divinos
Alberto de Lacerda - Outros Sons
Alberto de Lacerda - Moçambique
Alberto de Lacerda - Peregrino
Alberto de Lacerda - Não Encontraste a Rua
Alberto de Lacerda - As Árvores no Parque
Alberto de Lacerda - Falemos de Miosótis
Alberto de Lacerda - Exílio
Alberto de Lacerda - Ardeste
Alberto de Lacerda - Dir-se-ia de repente
Albino Magaia - Descolonizámos o Land-Rover
Albino Magaia - No Sul Nada de Novo
Albino Magaia - Na Praia da Catembe
Amin Nordine - Chapa
Amin Nordine - Do Lado da Ala-B
Amin Nordine - Nosso Lar da Mafalala
Ana Mafalda Leite - Naturalidade (Carta a Rui Knopfli)
Ana Mafalda Leite - O Vermelho das Acácias na Paisagem
Ana Mafalda Leite - Do Outro Lado a Sul, Trópico de Caprocórnio
Armando Artur - Urgência
Armando Artur - Infância
Armando Artur - (Ao Rui Nogar)
Brian Tio Ninguas - A Josina, Heroína Sorridente
Campos Oliveira - O Pescador de Moçambique
Carlos Cardoso - Ruth First
Carlos Gil - Um Bairro
Carlos Gil - Princesa de Duas Cidades
Carneiro Gonçalves - Conto de Achiriua (excerto)
Custódio Vasco Duma - O Que Perdi
Domi Chirongo - Chimurenga
Eduardo White - O Manual das Mãos (excerto)
Eduardo White - Mastro
Eduardo White - És a Vela Içada
Eduardo White - Tu
Eduardo White - Quisera Um Dia
Eduardo White - Filho que Fosse
Eduardo White - Felizes os Homens
Eugénio Lisboa - No Tempo em Que, Fernando
Eugénio Lisboa - Origem
Eugénio Lisboa - Transparência
Fernando Couto - Verão Africano
Fernando Couto - Impala
Fernando Couto - Pergunta a Paul Robeson
Fonseca Amaral - L'Aprés-Midi D'un Gala-Gala
Fonseca Amaral - Penitência
Fonseca Amaral - Passagem de Nível
Fonseca Amaral - Para Um Barco Que Apodrece a Meio da Baía
Fonseca Amaral - Karamchand
Fonseca Amaral - Exílio
Fonseca Amaral - S'Agapo
Fonseca Amaral - Poema
Frei Bartolomeu dos Mártires - Um Caminhar na Cidade de Pedra e Cal
Frei Bartolomeu dos Mártires - As Ruínas Derrotadas
Glória de Santana - Dia Africano
Glória de Santana - Bairro Negro
Glória de Santana - Segundo Poema da Solidão
Glória de Santana - Por Onde a Esperança
Grabato Dias - As Quybyrycas (canto nove - fragmento)
Grabato Dias - Laurentina Cesariniana 2
Grabato Dias - Baixa Laurentina
Grabato Dias - Laurentina Xipamanensis Ronga Maxilar
Grabato Dias - Laurentina Djambular Cafezinho das Dez
Grabato Dias - Laurentina Desagravada
Grabato Dias - Necrologia Laurentina
Guita Jr. - Deixar Tudo e Partir
Gulamo Khan - Xitimela
Gulamo Khan - Moçambicanto I
Helder Macedo - Partes de África (excerto/1)
Helder Macedo - Partes de África (excerto/2)
Helder Macedo - Partes de África (excerto/3)
Helder Macedo - Partes de África (excerto/4)
Helder Macedo - Partes de África (excerto/5)
Helder Macedo - Partes de África (excerto/6)
Hélder Muteia - Presença
Hélder Muteia - Nós e o Destino
Heliodoro Baptista - À Volta das Origens
Heliodoro Baptista - Presságio, Minha Ave
Heliodoro Baptista - T. S. Eliot The Shadows of Rainbow
Heliodoro Baptista - Alegoria
Isabella Oliveira - M. & U. Companhia Ilimitada (excerto)
Isabella Oliveira - Memória da Ilha
Jall Sinth Hussein - Índico
Jall Sinth Hussein - Ilha de Moçambique 1972
Jall Sinth Hussein - Basma (72)
Jall Sinth Hussein - Tangerinas em Redor da Minha Vida
Jall Sinth Hussein - Mar
Jall Sinth Hussein - Moçambique 75 - Praça Mouzinho de Albuquerque
Jall Sinth Hussein - São as coisas e têm alma própria
Jall Sinth Hussein - Basma (51)
Jall Sinth Hussein - Basma (9)
Jall Sinth Hussein - Basma (77)
Jall Sinth Hussein - As coisas importantes
Jall Sinth Hussein - Basma (33)
Jall Sinth Hussein - Basma (42)
Jall Sinth Hussein - Basma (44)
João Dias - Gôdido
João Dias - Indivíduo Preto
João Paulo Borges Coelho - As Visitas do Dr. Valdez (excerto)
João Paulo Borges Coelho - As Visitas do Dr. Valdez (excerto)
João Paulo Borges Coelho - Setentrião / O Pano Encarnado (excerto/1)
João Paulo Borges Coelho - Setentrião / O Pano Encarnado (excerto/2)
João Paulo Borges Coelho - Setentrião / O Pano Encarnado (excerto/3)
João Paulo Borges Coelho - Setentrião / Casas de Ferro (excerto/1)
João Paulo Borges Coelho - Setentrião / Casas de Ferro (excerto/2)
João Paulo Borges Coelho - Setentrião / O Hotel das Duas Portas (excerto)
João Paulo Borges Coelho - Setentrião / As Cores do Nosso Sangue (excerto)
João Paulo Borges Coelho - Setentrião / Ibo Azul (excerto/1)
João Paulo Borges Coelho - Setentrião / Ibo Azul (excerto/2)
João Paulo Borges Coelho - Meridião / Implicações de Um Naufrágio (excerto)
João Paulo Borges Coelho - Meridião / Os Sapatos Novos de Josefate Ngwetana (excerto/1))
João Paulo Borges Coelho - Meridião / Os Sapatos Novos de Josefate Ngwetana (excerto/2)
João Paulo Borges Coelho - Meridião / Os Sapatos Novos de Josefate Ngwetana (excerto/3)
João Paulo Borges Coelho - Meridião / Verdadeiros Propósitos (excerto/1)
João Paulo Borges Coelho - Meridião / Verdadeiros Propósitos (excerto/2)
João Paulo Borges Coelho - Meridião / A Força do Mar de Agosto (excerto)
João Paulo Borges Coelho - Meridião / Balada da Xefina (excerto)
João Paulo Borges Coelho - As Duas Sombras do Rio (excerto/1)
João Paulo Borges Coelho - As Duas Sombras do Rio (excerto/2)
João Paulo Borges Coelho - Crónica da Rua 513.2 (excerto/1)
João Paulo Borges Coelho - Crónica da Rua 513.2 (excerto/2)
João Paulo Borges Coelho - Crónica da Rua 513.2 (excerto/3)
João Paulo Borges Coelho - Crónica da Rua 513.2 (excerto/4)
João Paulo Borges Coelho - Crónica da Rua 513.2 (excerto/5)
João Paulo Borges Coelho - Hinyambaan (excerto)
Jorge Viegas - O Núcleo Tenaz
Jorge Viegas - Do Meu País
Jorge Viegas - Círculo de Sombra
José Craveirinha - Poema de JC Num Dia em que Estava Todo de Negro
José Craveirinha - Aforismo
José Craveirinha - Esperança
José Craveirinha - Primavera
José Craveirinha - Moçambiquicida
José Craveirinha - Menus
José Craveirinha - Quero Ser Tambor
José Craveirinha - O Bule e O Blue
José Craveirinha - Xigubo
José Craveirinha - Grito Negro
José Craveirinha - África
José Craveirinha - Boato do Velho Ussene
José Craveirinha - Mina Antipessoal
José Craveirinha - Gente a Trouxe-Mouxe
José Craveirinha - Trouxa de 8 Couves
José Craveirinha - Pátria
José Craveirinha - Anti-Lirismo Inútil
José Craveirinha - A Raiva que se Limita
José Craveirinha - Amanhã
José Craveirinha - Polana
José Craveirinha - Natal
José Craveirinha - Mampsincha
José Craveirinha - João Matangulana
José Craveirinha - Fábula
José Craveirinha - Karingana Ua Karingana
José Craveirinha - A Minha Complacência
José Craveirinha - Café Frio
José Craveirinha - Autobiografia
José Eduardo Agualusa - As Mulheres do Meu Pai (excerto/1)
José Eduardo Agualusa - As Mulheres do Meu Pai (excerto/2)
José Eduardo Agualusa - As Mulheres do Meu Pai (excerto/3)
José Eduardo Agualusa - As Mulheres do Meu Pai (excerto/4)
José Eduardo Agualusa - As Mulheres do Meu Pai (excerto/5)
José Pastor - A Pessoa de Josefane Ficou no Massacre…
Júlio Carrilho - Porta de Água
Júlio Carrilho - (casquinha)
Júlio Carrilho - Estranha forma
Júlio Carrilho - De Repente a Terra
Júlio Carrilho - (Ser Mwani)
Júlio Carrilho - Nada Mais
Julius Kazembe - O Girassol
Leite de Vasconcelos - Receita para uma Infracção
Leite de Vasconcelos - Canto do Verbo em Busca da Forma
Luís Bernardo Honwana - As Mãos dos Pretos
Luís Bernardo Honwana - Rosita, Até Morrer
Luís Bernardo Honwana - Nós Matámos o Cão-Tinhoso (excerto)
Luis Carlos Patraquim - Muhípiti
Luis Carlos Patraquim - Moradas
Luis Carlos Patraquim - As Casas
Luis Carlos Patraquim - Lidemburgo Blues 5
Luis Carlos Patraquim - Elegia do Nilo
Luis Carlos Patraquim - Frei Mutimáti Grabato João
Luís de Camões - Os Lusíadas (I, 54)
Manuela Sousa Lobo - Angola 11.11.75 (excerto)
Marcelino dos Santos - Sonho da Mãe Negra
Mia Couto - O Primeiro Astronauta
Mia Couto - Poema Mestiço
Mia Couto - (Escre)ver-me
Mia Couto - Ilha de Moçambique
Mia Couto - Versos do Prisioneiro - Última Carta do Preso ao Poeta
Mia Couto - Versos do Prisioneiro (6)
Mutimati Barnabé João - Eu, O Povo
Mutimati Barnabé João - Dia 7
Nelson Saúte - Mulher de M´siro
Nelson Saúte - Testamento Para os Meus Filhos
Nelson Saúte - Munhuana Blues
Nelson Saúte - Costa do Sol
Nelson Saúte - Marrabenta para Fanny Mpfumo
Nelson Saúte - Maputo
Noémia de Sousa - Poema Para Rui de Noronha
Noémia de Sousa - Poema da Infância Distante
Noémia de Sousa - A Billie Holiday, Cantora
Noémia de Sousa - A Mulher Que Ri à Vida e à Morte
Noémia de Sousa - Porquê
Noémia de Sousa - Justificação
Noémia de Sousa - Nossa Voz
Noémia de Sousa - Moça das Docas
Noémia de Sousa - Bayete
Noémia de Sousa - Se Me Quiseres Conhecer
Nuno Bermudes - Natal em África
Nuno Bermudes - Domingo
Nuno Bermudes - Na Dor da Tua Morte
Orlando Mendes - Rigor
Orlando Mendes - Instante Para Depois
Orlando Mendes - Ponte Pênsil
Orlando Mendes - A Chamada Inspiração
Orlando Mendes - Interferência Necessária
Pedro Muiambo - A Enfermeira da Bata Negra (excerto/1)
Pedro Muiambo - A Enfermeira da Bata Negra (excerto/2)
Pedro Muiambo - A Enfermeira da Bata Negra (excerto/3)
Rui de Noronha - Surge et Ambula
Rui de Noronha - À Tarde
Rui de Noronha - Grito de Alma
Rui de Noronha - Soneto
Rui de Noronha - À Luz do Poente
Rui de Noronha - Quinhenta Mais Quinhenta, Mais Quinhenta...
Rui de Noronha - Chuva Miudinha
Rui Knopfli - Então, Rui?
Rui Knopfli - Naturalidade
Rui Knopfli - Ilha Dourada
Rui Knopfli - O Povo da China Visto do Alto-Maé
Rui Knopfli - Na Morte de Reinaldo Ferreira
Rui Knopfli - Proposição
Rui Knopfli - Dana
Rui Knopfli - Carta para Um Amor
Rui Knopfli - Ponta da Ilha
Rui Knopfli - No Crematório Baneane
Rui Knopfli - Baldio
Rui Knopfli - Kaap Die Goeie Hoop
Rui Knopfli - O Campo
Rui Knopfli - Retorno
Rui Knopfli - Nenhum Monumento
Rui Knopfli - II. Pátria
Rui Knopfli - Mesquita Grande
Rui Knopfli - Dawn
Rui Knopfli - Hidrografia
Rui Knopfli - Aeroporto
Rui Knopfli - Inventário
Rui Knopfli - Mangas Verdes com Sal
Rui Knopfli - Poemazinho Reaccionário Para Uso Particular
Rui Knopfli - Nunca Mais É Sábado!...
Rui Knopfli - Certidão de Óbito
Rui Knopfli - Epigrama
Rui Knopfli - Auto-Retrato
Rui Knopfli - Praça Sete de Março
Rui Knopfli - A Pedra no Caminho
Rui Knopfli - Visitação (1)
Rui Knopfli - Sem Nada de Meu
Rui Knopfli - S. Paulo
Rui Knopfli - Cão do Nilo
Rui Knopfli - A Descoberta da Rosa
Rui Knopfli - Navio no Porto
Rui Knopfli - Pirâmide .7
Rui Knopfli - Música de Fim de Dia
Rui Knopfli - Paisagem
Rui Knopfli - Telegrama
Rui Knopfli - Princípio do Dia
Rui Knopfli - Posteridade
Rui Knopfli - Lembranças do Futuro
Rui Knopfli - O Ladrão de Versos
Rui Knopfli - Winds of Change
Rui Knopfli - Miles
Rui Knopfli - Hackensack
Rui Knopfli - Letra para Um Solo de Charlie Parker
Rui Knopfli - Achado Sem Valor Arqueológico
Rui Knopfli - O Escriba Acocorado
Rui Nogar - Xicuembo
Rui Nogar - Os 2 Primeiros Poemas da Impaciência
Rui Nogar - Nova Dimensão
Rui Nogar - Mensagem da Machava
Ruy Guerra - A Morte do Velho Guerreiro Swazi
Sebastião Alba - Cidade Baixa
Sebastião Alba - Reinaldo Ferreira
Sebastião Alba - Mais Do Que Do Outro
Sebastião Alba - Ícaro
Sebastião Alba - Ninguém Meu Amor
Sebastião Alba - O Navegador
Sebastião Alba - Como os Outros
Sebastião Alba - Natal no Cárcere
Sebastião Alba - Epílogo
Sebastião Alba - Preciso de qualquer objecto
Sebastião Alba - Está Quebrada
Sebastião Alba - O Limite Diáfano
Sebastião Alba - Gosto dos Amigos
Suleiman Cassamo - O Rascunho
Ungulani Ba Ka Khosa - Ualapi (excerto / 1)
Ungulani Ba Ka Khosa - Ualapi (excerto / 2)
Ungulani Ba Ka Khosa - Ualapi (excerto / 3)
Victor Matos e Sá - A Rui de Noronha
Virgílio de Lemos - Ouamisi

sexta-feira, maio 23, 2008

João Paulo Borges Coelho

HINYAMBAAN (excerto)

Chegam à estrada principal e rumam a norte. Sentem-na como algo familiar e antigo que haviam perdido e agora recuperam, apesar de ter sido apenas ontem que a conheceram e deixaram. É este mais um dos mistérios das longas viagens, que alteram de um modo inelutável a percepção que temos das coisas que nos cercam. Como se fôssemos donos de um rio que não há meio de se imobilizar para que dele tomemos posse.


[310]

segunda-feira, maio 19, 2008

Albino Magaia

INUNDAÇÃO


I

Chuva forte
Impetuosa chuva
Cai no povoado.
Vai fazer sorrir o campo
Vai alegrar santo milho
Vai fazer crescer feijão.
Todos olham
Todos esperam comer
Todos esperam matar fome.

II

Vão encher barriga negra
Vão encher palhota de reservas
Vão encher panelas todos os dias
E vão também calar boca de crianças.
Chuva cai fortemente
Chuva cai impetuosa
Chuva cresce lentamente as águas.

III

Engrossa, engrossa lentamente o rio
Lento já galgou margens
Já subiu o vale
Já rebentou…

Milho afogado e batata-doce morreu!

Quem vai encher palhota de reservas
Encher panelas de barro
E calar de boca crianças?


[309]

domingo, maio 18, 2008

Júlio Carrilho

NADA MAIS

Nada mais do que um motivo de recuo. Uma simples procura de retaguardas insuspeitas. Um resguardo da minha inteligência poluída. É que hoje se faz o dia a poluir. Depois empenhamo-nos em doutrinas reestruturantes. E sem nos acabarmos, a tortura de mais um recomeço.

Só cada um pode resgatar a sua própria alma.

E então? Lancei-me na savana em busca do fosso do descanso. Encontrei-o. Mas encontrei também o dono da planície. O dono da erva. O dono inclusive do meu próprio correr. Agora só as recordações me podem resgatar nos amores que eu próprio entristeci.


[308]

domingo, abril 13, 2008

Albino Magaia

NA PRAIA DA CATEMBE

Diz Carlos:
Que existe meu irmão
atrás daquele muro de pedra
que se avista da velha praia da Catembe?
Que existe
escondido dos olhos dos barcos que chegam
tão secreto que se deva ocultar
atrás daquela parede alta cheia de mistério?
Alonga a vista
e fura a parede de pedra que barra o horizonte.
Que vês?
Que sente tua alma?
Que fogo te abrasa?
Oh, mas diz
diz irmão
o que existe atrás daquele muro.
Di-lo em voz alta para os outros ouvirem
que eu já estou farto de o saber…


[307]

sábado, abril 05, 2008

Rui Nogar

MENSAGEM DA MACHAVA

I

tudo ganhou novos ângulos novas luzes
é mais volátil é mais livre o voo das aves

flores lilases nos gostos mais simples

o amor é tão fácil como o sorriso das crianças
o amor é tão puro como o sémen das chamas

ah sinto-me estrada fertilizando
milhões de passos ao nosso encontro

II

reparem camaradas na minha ausência
como ela se povoa de novas estradas

as palavras são mais precisas reinventadas

servem todas uma a uma
as distâncias que nos separam

e apesar das grades dos cães-polícias
sinto-me cada vez mais perto de vós.


[306]

quinta-feira, março 20, 2008

Rui Nogar

NOVA DIMENSÃO

Esta borboleta
Que volitando vai
De cama em cama grade a grade
De não-penses-mais
A um-dia-hás-de-sair
Não é uma borboleta vulgar

É sim uma borboleta
Borboleta ainda
Que um homem nesta prisão
Jurou libertar um dia
Para um voo universal
Do ciclo deste poema
Nas praças desta nação

É uma borboleta sim
Que ela aprendeu a amar
Em cada nova tentativa
De profundas metamorfoses

Sim
Borboleta política
Casulada seis meses
Na cela número três
Na Penitenciária Industrial
Da Colónia de Moçambique…


[305]

domingo, março 16, 2008

Rui Nogar

OS 2 PRIMEIROS POEMAS DA IMPACIÊNCIA

I

Tatuagens de lua
no corpo quente
da mãe-terra

e assim nua nua
no leito vermelho
virginal ainda
ela espera a semente
que tarda a chegar

que tarda a chegar


II

Que venham
mas não de braços cruzados

aqui amigos
o sexo vermelho da terra
lateja de febre e de cio

é preciso saciá-la
e depressa

que venham
sim que venham
mas repito não de braços cruzados

aqui amigos
aqui
a terra fenece
na fome de arados
que tardam a chegar

que tardam a chegar

ah! que tardam tanto a chegar


[304]

sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Rui Nogar

XICUEMBO

eu bebo suruma
dos teus ólho Ana Maria.
eu bebo suruma
e ficou mesmo maluco

agora eu quere dormir quere comer
mas não pode mais dormir
mas não pode mais comer

suruma dos teus ólho Ana Maria
matou socego no meu coração
oh matou socego no meu coração

eu bebeu suruma oh suruma suruma
dos teus ólho Ana Maria

com meu todo vontade
com meu todo coração

e agora Ana Maria minhamor
eu não pode mais viver
eu não pode mais saber
que meu Ana Maria minhamor
é mulher de todo gente
é mulhar de todo o gente
todo gente todo gente

menos meu minhamor


[303]

terça-feira, fevereiro 26, 2008

Eduardo White

FELIZES OS HOMENS

Felizes os homens
que cantam o amor.

A eles a vontade do inexplicável
e a forma dúbia dos oceanos.


[302]

domingo, fevereiro 10, 2008

Rui Knopfli

O ESCRIBA ACOCORADO

Sentado na pedra de ti próprio,
não tens rosto, senão o que,
de anónimo, a ela afeiçoou
a mão que assim te quis. Do resto,
do que de individualidade, porventura,

em ti existiria, se encarregou
a persistente erosão dos dias. De vago,
neutro olhar sem órbitas, permaneces
hirto, fitando sempre mais além
da morna penumbra que te envolve

no halo intemporal que é, do tempo,
o nexo único. Nesse olhar
de não ver tudo se inscreve,
repensa e adivinha: teus limites
e, ainda, o que excederia tua humana

estatura. Sem contornos, em sombra
e sono te diluis no que, de ti,
nunca saberemos. Porém, límpida
e escorreita, até nós chega a laboriosa
escrita que no papiro ias lavrando.


[301]

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Júlio Carrilho

(SER MWANI)

Não é que ser mulato me abra as portas:
é preciso que se tenha aprendido a beber
esse saber da praia
qualquer que seja a dor que se transporta.

A Guerra aqui não se reproduz. Sofre-se.
A escravatura aqui não se aprimora. Degrada-se:
na sabedoria dos escravos
na subtileza do servir dos servos
na paciência dos barcos adornados

Tudo sucumbe no equilíbrio sustentável
da intriga
viscosamente escrutinada nas sub-ilhas de murmúrios
dos quintais fechados


[300]

terça-feira, fevereiro 05, 2008

Helder Macedo

PARTES DE ÁFRICA (excerto/6)

Uma noite o guarda da praia apareceu lá em casa, todo o caminho a corta-mato de bicicleta, a dizer esbaforido que havia um avião grande a querer flutuar na água. No trânsito de ele vir e de o meu pai ir, a tripulação tinha desaparecido (salva por outro hidroavião inglês?) mas o Catalina encalhara nas dunas de areia fina que separavam a prai do alto mar, e quando também lá fui no dia seguinte era uma cave de Aladino: máscaras com grandes tubos a sair da boca, capacetes de metal, pistolas, chocolates, os instrumentos mais bizarros. Foi tudo selado para os senhores da capitania, mas ainda fui a tempo de provar o chocolate, que afinal era uma sensaboria que sabia a sopa, e assustar o cão com uma máscara.


[299]

segunda-feira, janeiro 28, 2008

Helder Macedo

PARTES DE ÁFRICA (excerto/5)

Havia uma altura do ano em que as ruas de Lourenço Marques estavam cheias de espadas. Não eram bem espadas, a forma era mais de alfanges, e eram de facto umas longas vagens que caíam das acácias permitindo duelos que nem o Errol Flynn nas matinés do Scala. As mais longas chegavam a ter meio metro, que para um braço de doze anos era o tamanho ideal. As sementes dentro das carapaças acastanhadas chocalhavam marcialmente a cada golpe, os duelos terminavam não quando um matava o outro, porque ressuscitava-se sempre, mas quando alguém pedia tréguas, o que seria uma vergonha. Ou então quando uma das espadas se desintegrava. Era por isso conveniente escolher sempre uma espada ainda firme mas já razoavelmente seca (que além do mais tinha a vantagem de as sementes também rufarem tambores de guerra) para, facilmente desintegrada com honra, se poder ir ter com os amigos do futebol no campo do Harmonia. O Coluna aparecia às vezes no fim do calor da tarde e deixava-se ficar alguns minutos, dando conselhos: «nunca chutes a bola com a biqueira, o pé em ângulo controla melhor a direcção da bola.» Já jogava no Desportivo e era ouvido com metafísico respeito. O Costa Pereira, mais populista, de vez em quando acedia a jogar connosco, defendendo a baliza da equipa da equipa que estivesse a perder. E um dia quase lhe meti um golo. Momento inesquecível: de pé em ângulo.


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segunda-feira, janeiro 21, 2008

Eduardo White

FILHO QUE FOSSE

Filho que fosse
a metade justa
da oferenda


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segunda-feira, janeiro 14, 2008

Helder Macedo

PARTES DE ÁFRICA (excerto/4)

«A casa era uma construção apalaçada do tempo das capitanias, versão residencial do quadrado de Marracuene num amplo cubo com quatro torres atarracadas, varandas ligando-as em perfeita simetria ao nível do primeiro andar, escadaria para um jardim com caramanchão, um embondeiro, palmeiras, um rego de água ao lado do caniçal. Em frente ao jardim abria-se a ideia platónica de uma praça, prefigurada por uma extensão abaulada de terra batida ainda sem outras casas em volta a justificá-la, excepto, do lado oposto, a sede da administração. Mas no centro da praça, e só por isso era praça e tinha centro, erguia-se um poste de bandeira. Os sipais, de farda caqui e cofio vermelho, apresentavam armas com as kropachets, já há muito sem a pólvora do tempo da revolta dos maganjas, enquanto um deles tocava o clarim e outro içava ou arreava a bandeira no rápido alvorecer da madrugada ou no intenso clarão roxo que precedia a noite repentina. Depois marchavam, em formação, no compasso surdo das solas grossas dos pés descalços, até destroçarem junto a um renque de árvores, ao longe. O clarim assinalando o fim do dia imperial era também o momento em que os morcegos, pendurados de cabeça para baixo na árvore fantasma ao fundo do quintal desde o toque da alvorada, iam começar o seu depredatório dia libertário na mesma noite sem crepúsculo de que os pássaros se recolhiam alvoraçados, com exagerada estridência. E também os grupos seminus de homens aflitos e mulheres com crianças às costas ou aos longos peitos ressequidos, que haviam acampado desde a manhã na sombra pegajosa de insectos em volta da administração, aviadas as últimas demandas começavam de repente a falar mais alto antes de regressarem às aldeias que se confundiam na distância com a terra e o caniço de que eram construídas. Um dia o meu irmão construiu sobre o rego de água uma ponte de terra e caniço que não caiu quando depois passou sobre ela de bicicleta. Foi um acontecimento de pura magia. E numa noite muito quente em que me pareceu ouvir vozes ao fundo da casa e um súbito estrondo, sonhei que havia um leão no quintal. Quando acordei de manhã disseram-me que sim, que era uma leoa. Não me deixaram ir vê-la mas havia para mim um leão pequenino, uma criaturinha quase ainda do tamanho dum gato que ao fim de uma semana em que se pensava que iria sobreviver, já se divertia a fazer esperas ao meu cão, que era tão grande (se é o mesmo da fotografia) que pouco tempo antes eu ainda cavalgava.»


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segunda-feira, janeiro 07, 2008

Helder Macedo

PARTES DE ÁFRICA (excerto/3)

Era magríssimo, tinha sido actor do mudo nos anos 20, emigrara para Moçambique onde arranjou um camião arraçado de caravana blindada, e precedia as exibições com um sapateado de sapatos compridos, à palhaço, acompanhado por uma grafonola de campânula. Ia aonde o chamassem, às vezes ia sem o terem chamado, e era sempre uma grande excitação. Devo-lhe o meu primeiro filme, O Capitão das Nuvens. Quis logo ser aviador: pus uma cadeira em frente de outra com o cão de copiloto na de trás e metralhámos os alemães.


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