quarta-feira, agosto 06, 2003

Rui Knopfli

DANA

Pelo trajecto sangrento das acácias,
da Mafalala às areias da Polana,
ou à maré morta da Catembe;
do Ho Ling à Casa Elefante,
da Casa Viegas ao Prédio Pott;
da opulenta sombra do cajueiro
à nobre majestade do eucalipto,

ainda resiste, na memória, uma cidade.
Por tardes de longa canícula,
sentada em seu regaço, a menina
dos cabelos cor de cobre regista-lhe,
com paciente labor, na brancura
do A3, a minúcia do perfil
que esbatido aos poucos, lentamente,

no deserto da memória vai morrendo.
Dele, em tempo, só restará o sal
teimoso que, a algum verso,
há-de emprestar o travo amargo
e o que, no rigor afectuoso dos seu traço,
da insanável ferida oculta,
é, obstinadamente, a visível cicatriz.


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